Eu devia ter lá uns seis anos. Lembro-me ainda do meu pequeno mundo que se resumia em brinquedos e risos. Na redoma de sonhos em que eu vivia, havia uma imagem que fulgurava mais que todas: meu pai. Eu nem podia compreender a existência de um alguém tão perfeito, quase sobrenatural. Eu o venerava, tal era a influência que ele exercia sobre mim.
Na minha memória, ele caminha ao meu lado, mostra caminhos e conta estórias. Imito seus passos, quero agradá-lo. Eu o amo demais. Suas mãos envolvem as minhas. Eu olho para cima, tento ver seu rosto, mas seus olhos buscam o horizonte e não a minha face. Minhas pernas curtas correm para acompanhar aquele gigante.
Cresci e, devagarzinho, meus olhos se abriram para a vida. Com o passar do tempo, o deus deu lugar ao homem. A perfeição dissipou-se, à medida que percebi meu verdadeiro pai. O gigante pareceu encolher. O mito que minha mente pueril criara caiu por terra. Meu pai já não podia mudar meu mundo com apenas uma risada. A imagem do deus desmoronou, dando lugar ao homem que também tinha problemas, que também sofria, que não era rei nem super-herói.
Interessante que, ao descobrir o homem, passei a amá-lo ainda mais. Ele já não era um ser inatingível. Seus fracassos em vez de romperem o encantamento que ele exercia sobre mim, me fizeram respeitá-lo muito mais. Conhecendo minhas próprias limitações, compreendi sua luta inglória para me oferecer uma paz que ele mesmo ainda não encontrara. Já não esperava que ele me desse nada mais do que ele era, porque para mim ele já era tudo e me dava a imensa felicidade de chamá-lo de meu pai.
Num dia triste de janeiro, quando as esperanças deveriam renovar-se pelo novo ano, ele parou de caminhar ao meu lado. Quem o carregava era eu, protegendo-o como ele sempre fizera comigo. Escondi o medo e mostrei-me forte. Minhas mãos envolviam a dele. Era ele quem procurava meus olhos. Seu leve sorriso me dizia adeus. Tentei sorrir em resposta. Meu olhar o abraçava. Procurei segurar o choro, mas as lágrimas teimosas caíram sobre seu rosto e beijaram sua face.
Ele jamais lerá este livro. Aqui escrevo algumas de suas histórias. São as memórias de meu pai que agora caminham comigo. Elas aquecem meu coração, enquanto ainda procuro imitá-lo e seguir seus passos. Um misto de prazer e dor invade minhas lembranças. É o amor sofrendo pelo amor e se transformando em saudade.
Silmar Coelho é pastor; doutor em teologia e liderança pela Universidade Oral Roberts, EUA; empresário; terapeuta; conferencista internacional; e escritor de 20 livros, entre eles: ''Jamais desista'', Editora Vida e ''Transformando lágrimas em vinho'', Editora MK.
Fonte Estudos Gospel